Contato Improvisação: um diálogo em dança

Como o nome diz, Contato Improvisação é uma vertente de dança onde as pessoas investigam os corpos em contato físico com relação às forças da natureza, como a gravidade e a inércia, improvisando movimentos umas com as outras. Visionário, negando-se ao registro formal e à criação de uma instituição formadora, o fundador deste gênero buscava que a dança acontecesse por si e acreditava que qualquer corpo pudesse dançar. Empenhava-se também em encontrar a igualdade nos papéis de homens e mulheres na dança, considerando isso um importante valor social a ser integrado ao movimento e expresso nas performances.
Quem nos fala de Contato é Fernanda Carvalho Leite, bailarina e atriz, apaixonada por este trabalho. Ela afirma que esta dança vai além: é uma pacífica revolução que abre diálogo para discutir, pensar, ensinar e desenvolver um mundo novo, começando pela questões do contato corporal, do conceito de beleza e da participação igualitária das pessoas em grupos sem hierarquias arbitrárias. Veja aí.


Antes de tudo, preciso dizer que sou bailarina e, por isso, não espere aqui proezas com as palavras como talvez eu pudesse fazer com meu corpo em movimento. Mas a vontade de contar sobre minha paixão e, quem sabe, fazer você se apaixonar também (tomara!), é maior do que minhas limitações literárias.
Então, vamos lá. Vou falar sobre uma nova forma de movimento: "Contact Improvisation", no Brasil chamado de Contato Improvisação. Uma improvisação por contato... Contato com outra pessoa, ou mais de uma, ou ainda - porque não? - um contato no sentido da percepção, com seu próprio corpo e com o espaço em volta. Improvisando, ou seja, criando no momento presente...
Simplificadamente, é uma dança onde duas ou mais pessoas investigam os corpos em contato físico com relação às forças da natureza: gravidade, momentum, inércia, força centrífuga e centrípeta... Mas o Contato Improvisação é muito mais do que isso. Vamos à história. Década de 70, Estados Unidos, Nova Iorque, efervescência revolucionária sócio-cultural. Steve Paxton, ex-bailarino de Merce Cunningam, ex-ginasta, praticante de Aikido, direcionou sua pesquisa no sentido de descobrir como a improvisação em dança poderia facilitar a interação entre os corpos, as suas reações físicas e como proporcionar a participação igualitária das pessoas em um grupo, sem empregar arbitrariamente hierarquias sociais.
Estava também empenhado em desenvolver um novo tipo de organização social para a dança, não ditatorial, não excludente, e em uma estrutura para a improvisação que não levasse ao isolamento de nenhum participante. Paxton queria ampliar a noção de beleza física, até então muito restrita nas companhias de dança, e deixar o movimento derivar de uma outra base que não uma estética estabelecida ou um corpo tradicionalmente treinado. Ele não pressupunha a figura de um mestre a ser copiada pelos outros e não buscava eventos heróicos ou um vocabulário simbólico.

Relacionamento divertido e delicado - Interessava-lhe o movimento do dia-a-dia, como a ação dos pedestres, o que se faz "aqui e agora", o que acontece no momento, a indeterminação. Com isso, buscava que a dança acontecesse por si e acreditava que qualquer corpo pudesse dançar. Empenhava-se também em encontrar a igualdade nos papéis de homens e mulheres na dança, considerando isso um importante valor social a ser integrado ao movimento e expresso nas performances.
Então, reuniu um grupo de bailarinos de diversas cidades para ensaios e apresentações. Rotineiramente, eles testavam as possibilidades de dois corpos movendo-se juntos enquanto estavam em contato físico. Eles investigaram dois extremos de desorientação física: um extremo de lançar-se no espaço e em outra pessoa, e outro de estar em pé, parado e observando os menores impulsos de movimento no corpo (o que Paxton chamou de "pequena dança" ou "estar"). Também praticavam "release technique", rolamentos e quedas de Aikido. Buscavam desenvolver o conhecimento reflexo do corpo e uma estética baseada em limites e necessidades físicas.
Dos ensaios para as performances ficou registrado um vídeo onde aparecem os bailarinos, homens e mulheres, dançando pela primeira vez Contato Improvisação. Eles apoiavam-se e equilibravam-se uns nos outros de uma maneira sustentada, suspendida, depois caíam, fazendo isto diversas vezes. Havia um grande relacionamento entre eles, geralmente divertido e delicado, fazendo das ações um ato de parceria. Usavam diversas partes do corpo como suporte no chão. Concentravam-se em sentir o movimento internamente mais do que em colocar seus corpos intencionalmente em formas particulares.

Os desenhos no espaço feitos pela passagem dos corpos, enquanto davam suporte para guiar ou impedir a queda do outro, eram espiralados através das três dimensões, adquirindo um senso esférico de espaço. Finalmente, as performances se seguiram como uma continuação dos ensaios, durando em torno de cinco horas cada. A platéia vinha e ficava o quanto queria, não havia efeitos especiais de luz nem figurinos, música ou cenário, somente um tatame. Depois disso, cada um foi para sua cidade e começou a ensinar Contato Improvisação para ter com quem dançar. E, assim, esta forma de movimento foi se propagando pelo mundo. Por quê? Simplesmente porque é muito bom de fazer!!!

Passaram-se mais de 20 anos e em 1998 fui à Nova Iorque fazer aulas de Contact com K.J.Holmes e reencontrei um prazer de mover-me que já tinha esquecido. Um prazer que remete à infância, quando nossos pais nos pegavam no colo, jogavam para cima, nos viravam de cabeça para baixo ou ainda à memória de ver dois gatinhos brincando, ou as danças de rock and roll, ou ainda ao afeto de uma relação amorosa e, ainda, à diversão de um "brincar de brigar". Desde então, mergulhei neste universo e descobri que Steve Paxton e seu grupo pioneiro realizaram uma pacífica revolução (até mesmo política!). Negaram-se a registrar o nome desta dança e criar uma instituição formadora (para ganhar dinheiro e o poder do conhecimento centralizado) e, sim, abriram o diálogo para discutir, pensar, ensinar e desenvolver esta "arte-esporte" no mundo inteiro.
Há 35 anos existe uma revista específica para isso, a Contact Quarterly, que divulga nomes e contatos de praticantes e eventos em todo o mundo. Diversos encontros em diferentes países e continentes acontecem regularmente, como festivais, JAMs (práticas livres), workshops, performances, debates etc. Teses já foram escritas, livros, artigos... Experimente pesquisar no Google ou no Youtube e veja você mesmo! Quer fazer? Procure nos estúdios de dança contemporânea de sua cidade.
Aqui em Porto Alegre, convido você a visitar a Sala 209 da Usina do Gasômetro. De março a dezembro de 2009 acontecerá o Sul em Contato, evento financiado pelo Fumproarte da Pefeitura. Serão 12 oficinas de Contato Improvisação com professores vindos da Argentina (a maior comunidade de Contact da América Latina), Uruguai, Rio de Janeiro, São Paulo e ainda da Alemanha. Confira a programação no blog www.sulemcontato.blogspot.com . Provavelmente agora você não poderá freqüentar as oficinas com os professores convidados, pois já temos as vagas preenchidas, mas poderá fazer minhas aulas durante a semana, ou assistir gratuitamente um vídeo, ou performance ou, ainda, entrar numa JAM para apreciar e até dançar.
Por que não? Descubra um novo jeito de se mover, romper padrões, deixar-se levar, surpreender-se com a maravilha de dialogar com outros corpos e desenvolver assim outro vocabulário, uma nova língua, um delicioso jeito de filosofar e fazer-se uma pessoa melhor. E por que não um mundo melhor? Nós estamos fazendo e compartilhando com quem estiver presente. Seja bem-vindo(a)!

Fernanda Carvalho Leite
Bailarina, atriz, professora, divulgadora e produtora
www.fernandacarvalholeite.blogspot.com
www.sulemcontato.blogspot.com
fer.carvalholeite@terra.com.br
PORTO ALEGRE/RS


Fotos: Arquivo pessoal

Um comentário:

  1. Iniciei meu "contato" com a Dança Contato Improvisação no ano passado,já participei aqui em Florianópolis de uma Jam Session com Contato Improvisação e dois encontros com 2 Argentinas e 1 italiano, e o que vem me instigando a conhecer mais deste novo impulso moderno ou pós moderno como quisermos classificá-lo é o quanto nos conecta- corpo mente espírito,Alma como quisermos.
    Grata por tua exposição e teu Amor e Dedicação ao que viestes fazer "Amor em servir a Vida a Dança aos aprendizados e ensinamentos.
    Leuzi Soares Florianópolis e-mail leuzisoares@hotmail.com (30/03/2010)

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