"Não comecei cedo mas parece que nasci ouvindo música árabe"

Com um retrato detalhado de seu dia-a-dia, Sahira Ma Ajniha, professora e bailarina de dança do ventre, nos mostra como a mulher moderna precisa ser múltipla e competente como mãe, esposa, amiga, mulher e profissional.
Em seu caso pessoal, ela acredita que a profissão a ajudou de modo especial em seus processos. "A cada dia me convenço mais que ter nascido mulher foi realmente uma bênção, e que ter me achado na dança do ventre foi algo que já estava escrito, pois não comecei cedo e parece que nasci ouvindo música árabe", afirma.
E do espectro cotidiano de seus envolvimentos com marido, filha, vó, alunas, amigas, a professora amplia o olhar e chega no divino feminino. "A mulher é como a rosa que tem camadas e mais camadas de pétalas e em seu interior tem o ninho da humanidade", define. "Somos todas em uma e uma em todas. Quem faz dança do ventre, entende que nosso dia-a-dia de aulas, ensaios e apresentações é, sim, a mais pura feminilidade".

Nesta vida corrida que nós, mulheres, levamos hoje, achar tempo para ser mãe, esposa, amiga, mulher e profissional só mesmo sendo heroína de história em quadrinhos. Sim, aquela que se divide em 4, tem 8 braços, 8 pernas e 4 almas. Examino do meu ponto de vista, tenho minha carreira profissional ainda em construção, como toda boa bailarina e professora de dança do ventre, estudo, ensaio, alunas, roupas, apresentações, propaganda - sim, porque sem ela também fica difícil -, então boa parte do dia é para as obrigações profissionais, e sei o quanto isso é importante.
Então, vem a filha que é pré-adolescente, sem saber, com jogos e livros e filmes e querendo atenção para tudo, e vamos lá porque também já fui criança e sei o quanto isso é importante.
Marido... Ah, querido marido, atenção, reclamação, janta, roupa, as contas, o desabafo dos colegas de trabalho, escuto tudo e tento fazer o possível, porque sei o quanto isso é importante.
Fim de tarde o telefone toca... Quem é? A amiga, desesperada pela prova, pelo marido, pelo namorado, pelos filhos, pelo trabalho, pela vida, aí eu ouço e aconselho porque sei o quanto isso também é importante.
Aí vem a mãe - graças a Deus, tenho a minha! -, reclama do meu pai e do meu irmão, das contas, fica brava porque não dou atenção, porque não falei que tinha que sair, que não liguei que não contei que tinha apresentação na próxima semana... Ouço e entendo porque sei o quanto isso também é importante.
Então, o dia acaba na cama, deitada, jogando no celular, adoro fazer isso, relaxa meus neurônios, volta um filme de tudo o que aconteceu. E eu??? Bem, tenho a satisfação de executar meu trabalho e escutar elogios e ver minhas alunas crescerem, seja profissional ou pessoalmente, porque, para quem não sabe, dança do ventre estimula não a sensualidade, mas a feminilidade, a delicadeza de sermos mulheres.
O carinho da minha filha quando me olha nos olhos e diz: "é tão bom quando estamos juntas...", isso então é de encher a alma de positividade. O marido quando ali comigo, já há quase 20 anos, me olha nos olhos e diz que me ama como no primeiro dia e que preciso melhorar nos meus movimentos na dança, que estou melhor, que tem orgulho de mim.
Quando estou com o coração apertado em casa só o telefone toca... - Quem é ? A amiga, - Estava pensando em você. Tudo bem? Tua voz está diferente, aconteceu alguma coisa? Aí eu desabo e desabafo. - Ai, estou com medo da apresentação, não agüento mais a menina, ela está crescendo e não entende o marido? Nem me fale... dormi sem falar direito com ele. Desligo e logo depois o telefone toca de novo. -Alô! Oi, Mamy... pronto: a recebo colo e rimos e saímos e nos falamos até mesmo sem palavras.
Nossa... cansei. Tudo isso, saibam, é muito importante.

A essência feminina é algo mesmo fascinante, essa pluralidade de seres dentro de uma só pessoa e a versatilidade é algo mesmo divino. A cada dia que passa me convenço mais que ter nascido mulher foi realmente uma bênção, e que ter me achado na dança do ventre foi algo que já estava escrito, pois não comecei cedo e parece que nasci ouvindo música árabe.

Como toda mulher, tenho sim aqueles momentos onde me sinto uma menina escondida atrás da porta do armário, morrendo de medo do suposto monstro embaixo da cama e, por incrível que pareça, se pousa uma borboleta na janela me basta para achar lindo aquele instante. O monstro? Que monstro? Olho no relógio e corro... Nossa, estou atrasada, meu ensaio já começou, minhas alunas estão esperando, meu marido vai me matar... - Mamy, desce que já estou saindo... - Filhaaa, pega a bolsa da mamãe e põe a sandália...
Isso tudo é mais que importante: é necessário. Vivo cada uma das mulheres que há em mim intensamente. Acredito que minha profissão me ajudou muito nisso. Descobrir que a mulher é como a rosa que tem camadas e mais camadas de pétalas e em seu interior tem o ninho da humanidade. Somos todas em uma e uma em todas. Profissionais das mais diversas áreas também, acredito, que passam por isso, mas creiam: quem faz dança do ventre, entende que nosso dia-a-dia de aulas, ensaios e apresentações é, sim, a mais pura feminilidade.

Sahira Ma Ajniha (Crisele Martins)
Professora e Bailarina de Dança do Ventre
www.criselebellydancer.com.br
http://criselebellydancer.blogspot.com
criselebellydancer@hotmail.com
SANTOS/SP


Fotos: Arquivo pessoal