Dançar é ter asas! Mas... falsas?

Este é um recado às instrutoras de dança. Tem a ver com a importância do aperfeiçoamento constante e com a necessidade de abertura a outras danças. Estudando há 15 anos e dando aulas há uma década, Melissa Assumpção Viera, instrutora de dança cigana, bailarina, coreógrafa e pesquisadora da cultura cigana, faz este contundente chamado pela renovação e abertura.
E conta o que viu em Salvador: "Centenas de bailarinos de todo o mundo se reúnem em pleno verão, sob o sol dos trópicos, em salas pouco ventiladas, para estudarem dança. Dança mesmo: sem ego, sem figurinos, sem nome artístico". E acrescenta: "As roupas surradas, os pés no chão, o suor intenso, os músculos retorcidos na busca do movimento perfeito não deixam espaço para o pensamento triste de quem é o melhor. Somos todos iguais ali, bailarinos em busca de aperfeiçoamento".

Ao completar dez anos de aulas ministradas, vi a necessidade de conversarmos sobre a importância do aperfeiçoamento constante. Tudo bem, nem todos aqueles que procuram aulas de dança estão interessados em se tornar bailarinos profissionais. Mas aqueles que sim, pretendem subir nos palcos, colocarem seus corpos e almas sob as luzes da ribalta e ainda repassarem seu conhecimento em outras salas de aula, um aviso: não sabemos muito. Nunca sabemos o suficiente!
Desculpem-me se pareço pessimista, se estou desacreditando a arte com a qual trabalho e vivo desde a primeira aula recebida, há 15 anos. Fazendo um retrospecto da dança em nosso Estado, principalmente em Porto Alegre, nos últimos dois anos, concluí algo muito sério:

Muito ego foi apresentado em nossos palcos e pouca técnica, e isso fica ainda mais claro nos folclores. Figurinos riquíssimos, belas mulheres, cabelos esvoaçantes, luzes, câmera e... nada de ação.
Alguns dos shows que vi deveriam ter sido anunciados como desfiles de figurinos, e não como espetáculos de dança. Onde fica a qualidade do movimento? Onde colocaram o passo lindo daquela dança? Onde está a música no corpo da bailarina? Será que decidiram virar, todas, bailarinas de caixinha de música? Belas, mas estáticas?


Tive a oportunidade, neste ano, de conhecer o programa de aperfeiçoamento para bailarinos da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Teatro Vila Velha, em Salvador, referências nacionais em dança. Lá, centenas de bailarinos de todo o mundo se reúnem em pleno verão, sob o sol dos trópicos, em salas pouco ventiladas, para estudarem dança. Dança mesmo: sem ego, sem figurinos, sem nome artístico.
As roupas surradas, os pés no chão, o suor intenso, os músculos retorcidos na busca do movimento perfeito não deixam espaço para o pensamento triste de quem é o melhor. Somos todos iguais ali, bailarinos em busca de aperfeiçoamento. Alguns vindos do ballet clássico, outros da dança contemporânea, outros ainda da dança de salão, e eu, dos folclores; alguns tirando suas dúvidas em inglês, em francês, em mandarim, todos tentando um "portunhol", e ainda os muitos sotaques deste imenso país.
Se minhas aulas foram relacionadas à Dança Cigana?? E qual dança não é relacionada uma à outra? Aprendi a sapatear melhor numa aula de Cavalo Marinho (auto de Natal nordestino); aprendi a melhorar minha postura e alcançar melhores pliés e cambrés na Dança dos Orixás; conheci técnicas incríveis de deslocamento em compasso quaternário nas aulas de axé; e aprendi como dominar ainda mais o quadril nas aulas de cuduro (dança angolana recém chegada ao Brasil); e com o frevo, aprendi a alcançar outros níveis de movimento, buscando um pouco mais de verticalidade.
Ao tomarmos a frente de uma sala de aula, temos a imensa responsabilidade de saber sempre um pouco mais, de oferecermos o melhor àqueles que nos escolheram como instrutoras de dança. Mas só conseguiremos tal melhoria constante se olharmos nosso trabalho de um novo ângulo, conhecendo outras danças, outras pessoas que, como nós, respiram dança. E que, além de suarem em busca de graça, beleza e força, também se divertem, também encontram sorrisos e bem-estar - além, é claro, da satisfação de saberem ter-se tornado um pouquinho melhores.
Dançar pode, sim, "estar no sangue". Talento realmente conta, e muito. Mas, ao contrário dos animais que seguem simplesmente seus instintos, precisamos, sim, estudar! Nasci numa família de descendência espanhola, mas não conseguiria muito mais do que repetir passos se não houvesse estudado.
Pois até uma borboleta precisa rastejar e esperar o tempo necessário pra que a natureza lhe dê belas e coloridas asas.
Mereça as suas!

Melissa Assumpção Viera
Bailarina, coreógrafa, especialista em dança cigana
Leciona nos Studios Shakti e Mara Noschang
melissaaviera@hotmail.com
balaio.das.artes.rs@gmail.com
PORTO ALEGRE/RS


Fotos: Edição de arte sobre imagem de www.smugmug.com e Arquivo pessoal

3 comentários:

  1. Oi Melissa, obrigada pelo seu comentário. Nós realmente somos suas fãs,não só da tua dança,mas da Melissa comos pessoa. Temos o privilégio da tua amizade e somos felizes por isso. Grande beijo de todas nós.

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  2. Melissa querida amiga, parabéns pela profunda reflexão que colocaste aqui, concordo com tudo que escreveste acima, infelizmente, em outras áreas da arte acontecem coisas muito semelhantes a estas, nos resta termos profissionalismo e fazermos nossa parte, pois nós que vivemos intensamente e com prazer o dom que nos foi dado na dança, na música, no teatro... Seja que arte que for, temos que trabalhar muito e sonhar, sonhar...
    Eu sempre digo: "O Universo conspira sempre, sempre a favor dos Sonhadores..."
    Um forte abraço e muito sucesso pra nós todos (merda pra nós) rsrsrsrs!!!
    Joel Porto

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  3. Só uma pessoa que ama a dança como aos amigos, que respira dança como o ar, que sorri com o corpo inteiro quando se movimenta, sempre em busca de um passo mais aprimorado, mais intenso e mais poético, poderia ter escrito essas palavras. Admiro a Melissa instrutora e a Melissa "A" Viera.

    Marcelo.

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