Tango: nos braços de Eros






Passeando da melancolia à firmeza, do yin ao yang, o tango sempre é passional e sensual. Somando-se ao gestual coreográfico expressivo, as letras falam de amor, solidão, paixão, encontros, desencontros...
Absoluta convidou dois craques na área para darem seu depoimento. Alexandre Becker e Ana Karina Paz compõem a dupla "Simplemente Tango", estrearam seu trabalho na Espanha e Itália, onde permaneceram até o ano passado, e aqui nos contam sobre a famosa conexão tango e sensualidade...


A relação tango-sensualidade é amplamente difundida. Tornou-se comum a associação deste complexo fenômeno cultural, que envolve música, poesia e dança, tanto em práticas sociais, quanto artísticas, com imagens de envolvimento, sedução, idéias de aventura, paixões avassaladoras e transgressão. Tango, reza a cartilha, é "caliente", passaporte garantido para tórridas emoções...
Afinal, nada mais fácil do que se deixar levar pela torrente de sensações que provoca a música ora lânguida, melancólica, ora dinâmica e passional, e que parece nos "atravessar" o corpo; pelas letras, que, muitas vezes, choram aquilo que foi perdido ou pela visão dos pares bailando em perfeita harmonia.
Geralmente, procura-se a explicação para o "savor affaire" que o tango suscita em razões sociológicas, tais como seu surgimento no ambiente do prostíbulo ou seu engendramento como fruto da mescla das culturas do imigrante e do "criollo" argentino, que, sujeitos a um convívio forçado e em condições adversas, acabaram por responder com o tango como expressão de uma nova camada social e seu modo de vida, fazendo do mesmo "um sentimiento triste que se baila", conforme a célebre frase de Hentique Santos Discépolo.
Pode-se, no entanto, buscar um sentido mais profundo, quase atávico, que desse conta da capacidade de o tango mexer com nossa fantasia: observando o emaranhado de emoções que aquele provoca, percebe-se uma constante, o sentimento de desejo.
Desejar implica a noção de carência, já que essa pressupõe a falta do objeto desejado, apontando para a eterna solitude humana e anseio de algo que nos preencha. E que imagem melhor para a busca humana de completude, do que uma "pareja", homem e mulher abraçados, mãos, cabeças que se tocam, pernas que se roçam, que se cruzam, como que envolvidos por uma força maior, em busca de transcendência dos limites do próprio corpo e de fusão com o outro, o espaço e a música?

Talvez seja exatamente aí que resida o segredo: surgido como forma de bailar, antes da música e da poesia, o tango nasceu sob o signo de Eros, o desejo. Expressa, sobretudo, nossa busca de fusão com aquilo que nos complete e que se reflete perfeitamente na imagem dos pares evolucionando pelo salão. "Uno más uno en el tango no son dos, sino que es uno. Un hombre más una mujer es uma pareja" [1], afirma Rodolfo Dinzel.

Através da busca pela unidade, mais do que sensual, o tango revela-se como profundamente erótico e é no erotismo que se constitui seu fascínio, porque ele nos toca naquilo que temos de mais humano, o desejo de nos tornarmos completos, de nos entregar, de viver por inteiro. O tango nos leva a expor uma de nossas verdades mais profundas e que tanto somos obrigados a esconder, que é nossa fragilidade enquanto seres incompletos, o quanto somos vulneráveis e precisamos do outro, do seu abraço, para seguirmos em frente. Neste sentido, mais do que um fenômeno cultural particular, do que patrimônio cultural de um povo, o tango revela-se universal, parte do patrimônio imaginário humano, expressão de nossa necessidade de descobrirmos que tudo faz sentido.

Referências:
DINZEL, R. El tango. Una danza. Buenos Aires: Corregidor. 1994.
FERNANDES. H. A. Tango. Uma possibilidade infinita. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2000.


[1] DINZEL, 1994, p. 9.

Alexandre Becker, engenheiro especializado em hardware, pianista clássico, recebeu formação em tango argentino e folclore latino-americano, aprofundando seus conhecimentos na cultura gaúcha.
Ana Karina Paz é mestre em Letras, bailarina clássica, professora de dança de salão e enfatiza seus estudos no tango argentino.
Ambos compõem a dupla "Simplemente Tango" desde janeiro de 2007. Estrearam seu trabalho na Espanha e Itália, onde permaneceram até novembro de 2008.
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PORTO ALEGRE/RS




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